Memória

Não era preciso remexer as memórias para lembrar o toque passeando na pele e o gosto escorrendo na língua. O desejo não deixava esquecer. Sede. Fome. A necessidade da boca e do ventre prenchidos, implacável. Fechou os olhos e conseguia ver o rosto de lado, apoiado no travesseiro, olhos fechados, concentrado no prazer que consumia. Por vezes, o jeito que olhava e sorria, enquanto sentia encostar em sua garganta, gemendo baixo, buscando qualquer pedaço à disposição para senti-la. O jeito como a mão firme, mas sem machucar, encaixava na cintura, apertando, imponente, a forma como a curva do braço, que se acoplava perfeitamente à bunda quando ia subindo aos beijos e devoção ao seu corpo.


Lembrava e o corpo estremecia, em grito silencioso, implorando por mais. Mais do sabor, do cheiro, do jeito como corpos pareciam querer se atravessar quando o beijo inflamava e ardia nos poros, no ventre, na espinha; que encontrava os lábios como fonte que mata a sede; na mordida que prende o pescoço como se fosse presa.

Habilidosamente, a língua percorria as curvas do corpo, exibidas e escondidas. Fechou os olhos para manter algum nível de controle, tamanha a vontade de consumir e ser consumida de desejo. Sentir derretendo ali, entre suas pernas, apenas o olhar fitando enquanto a boca fazia sua mágica: lambia, sugava e sorvia o prazer, que escorria e molhava a cama, que não negava a inundação e o cheiro no quarto, que confirmava a realidade.

Penetrava como quem dança lento, abrindo espaço adentro para se acomodar. Rebolava, forçando, buscando seu olhar para se afundar ainda mais. As unhas encontravam a pele macia das costas, e a mão selava os lábios, impedindo o grito descontrolado: entregue, largada, completamente aberta pra que morasse ali, mesmo que só naquele momento. Despretensiosamente, sequer pede permissão, tomando o poder pra si, fazendo do corpo dela marionete nas mãos. Sem oferecer qualquer resistência, em êxtase com a possibilidade de simplesmente se deixar ir, em saber os anseios e caprichos só pra ceder a eles com um sorriso no rosto.

A memória é uma senhora filha da puta, que comandava seu corpo involuntariamente.

As pernas bem abertas respondiam ao comando da lembrança. Um dedo roçava o ponto mais sensível e o outro explorava só a entrada, sem avançar, aumentando ainda mais a vontade de sentir. Estremecia, remexida pelo prazer que lhe causava, mesmo só na memória. Tal qual o ventre, a boca sentia o vazio, porque o desejo era de se tocar com ela cheia, sentir os lábios abraçando a circunferência devagar, lambendo, sugando, às vezes com cuidado e atenção, outras bem babada e com força. Só a pontinha, até a metade e engolia tudo, e se deliciava vendo o corpo contrair quando sentia a língua quente ao seu redor e, juntas, as mãos acariciavam com carinho.
Quase sentia o gosto, cheiro, o corpo colado no seu, os braços que se faziam polvo apertando em tantos lugares ao mesmo tempo. Estava quase. Abriu ainda mais as pernas, sentindo a inundação que lhe causava, mesmo na ausência. Esfregou um pouco mais, e a memória desafiava, fazendo imagens da primeira vez que o grelo encontrou a boca saltar na mente. Depois um corpo sobre o outro e o aviso desmonta sussurrado no ouvido: "assim eu vou gozar..." Contrai e explode. Sentiu o jato esguichar na própria mão, escorrendo e melando tudo, deixando vestígios do seu prazer.


Adorava essa sensação. Aliás, todas elas. Adorava sentir água brotar do ventre porque seu prazer encontra caminho; esfregar a mão inteira, molhada, no meio das pernas, sentindo o produto do prazer e adorando seu próprio corpo; as pernas, trêmulas da implosão, pois explodir seria desperdício sem ninguém pra assistir, arfando, levemente descompensada, sentindo o flagelo da memória que se transforma em represa de comportas abertas.

A memória, sem dúvida, é uma senhora filha da puta.

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